O Surgimento do Rugby

Jogos com bola e contato físico são praticados pelas sociedades humanas há milênios. Os romanos, por exemplo, praticavam o Harpastum, com características semelhantes ao rugby moderno, no qual os atletas jogavam em equipes, e buscavam levar uma bola à outra extremidade da quadra de jogo, empurrando os oponentes. Autores antigos como Ateneu, Galeno, Sidônio Apolinário e Júlio Polux relatam a prática contemporânea.

Na Itália, na região de Florença, floresceu o Calcio, cujas regras foram formalizadas em 1580, segundo as quais 2 equipes com 27 jogadores deveriam conduzir a bola até o outro lado do campo adversário, em dois tempos de 50 minutos, contando ainda com juízes de campo e de linha. Os celtas, por sua vez, praticavam o Caid, ao qual se atribui grande influência sobre o rugby

Como afirma o historiador Hilário Franco Júnior, os jogos com bola são manifestações antropológicas, comuns a diversas sociedades humanas ao longo dos séculos. A origem específica do rugby está na própria Inglaterra industrial, dos séculos XVIII e XIX.

Mito

Tratar da história do Rugby nos obriga a abordar tanto a origem mítica como as raízes históricas. No ano de 1823, na Rugby School, na cidade de Rugby, Inglaterra, um aluno chamado William Webb Ellis, tomou a bola em suas mãos e, desrespeitando as regras orais do footballpraticado na escola (e não as regras do futebol moderno, que ainda não existia), avançou rumo ao campo adversário, enquanto os oponentes tentavam segurá-lo para impedir a sua progressão. O costume era de receber a bola com as mãos e em seguida chutá-la, ao invés de correr com ela.

A jogada, entretanto, só foi reconhecida pela comunidade do rugby décadas mais tarde, nos anos 1880, como a origem do esporte. Webb Ellis morreu desconhecendo o status que ganharia.

Debate e origens

O rugby não é fruto de uma jogada isolada. Desde o final do século XVIII, os antigos jogos com bola medievais, chamados de football, passaram a ser incorporados pelo sistema de ensino britânico como parte da educação física e da recreação dos garotos. Cada escola e universidade britânica tinha, pois, sua forma própria de jogar, com suas próprias regras, ainda que não escritas. Não havia, portanto, um Football, mas vários, sem qualquer organização que os unificasse.

A Rugby School, por exemplo, tinha a sua própria forma de jogar que, como em todos os lugares, sofreu alterações com o passar do tempo. O historiador Tony Collins afirma que das poucas coisas que sabemos a respeito de William Webb Ellis, de uma coisa temos certeza: ele não inventou o rugby. Ellis viveu sua vida na obscuridade como clérigo, e apenas em 1872 foi apontado por Matthew Bloxham, um ex-aluno de Rugby como o garoto que havia corrido com a bola nas mãos. O jogo da escola de Rugby tornou-se antes notório por meio de um outro garoto: Tom Brown, personagem fictício do livro Tom Brown’s Schooldays, de Thomas Hughes. Com  isso, a história o ex-aluno real de Rugby, William Webb Ellis, não desempenhou grande papel no desenvolvimento do jogo até os anos 1880, segundo Collins.

Ainda que o jogo de Rugby tenha sido praticado pelo menos desde os anos 1820, foi em 1846 que as primeiras regras foram escritas, formalizando-se o Rugby Football. Thomas Arnold, diretor da escola desde 1828, foi um dos encorajadores do esporte e de sua formalização, reconhecendo nele grandes valores pedagógicos. Outras escolas seguiram a mesma tendência e clubes foram sendo formados por ex alunos, desejosos de seguirem praticando football.

A proliferação de clubes que praticavam alguma forma de football na Inglaterra fez necessária a criação de regras comuns entre todos os clubes, uma vez que até então cada clube usava suas próprias regras, em geral derivadas das regras das escolas onde seus atletas estudaram. Em 1863, representantes de clubes de toda a Inglaterra se reuniram a fim de criar estabelecer regras comuns, baseadas nas regras usadas na Universidade de Cambridge. Nasceu, assim, a Football Association, isto é, o futebol moderno. Entretanto, as regras não foram unanimemente aceitas, com os clubes praticantes do football com as regras da Escola de Rugby optando por manter sua forma de jogar e não aderir às regras do Football Association.

Rugby Football Union

O surgimento de diversos clubes de rugby por toda a Inglaterra fez necessária a criação de uma entidade nacional organizadora. Em 1871, nasceu a Rugby Football Union. A primeira reunião da RFU foi presidida por E.C. Holmes, capitão do Richmond F. C., e contou com representantes de 21 clubes: além do Richmond, Harlequins, Blackheath (formando o poderoso trio de clubes de Londres, que mandou por anos na entidade), Guy’s Hospital, Civil Service, Wellington College, King’s College, St. Paul’s School (que continuam existindo até hoje), Gipsies, Flamingoes, Mohicans, Wimbledon Hornets, Marlborough Nomads, West Kent, Law, Lausanne, Addison, Belize Park, Ravenscourt Park, Chapham Rovers e Queen’s House (que não existem mais). A União Escocesa de Rugby (SRU) foi a segunda a ser formada, em 1873, seguida da União Irlandesa de Futebol Rugby (IRFU), em 1879, e da União Galesa de Rugby (WRU), em 1881. A criação das 4 entidades nacionais fez necessária a criação de um órgão internacional. Com isso, em 1886, nasceu o International Rugby Board (IRB), fundado por representante de Escócia, Irlanda e País de Gales. A Inglaterra se recusou participar do IRB em sua fundação, e só aderiu à entidade em 1890.

Em 1871, foi disputada a primeira partida internacional, entre Inglaterra e Escócia, com vitória escocesa. A primeira grande competição internacional nasceu em 1883: o Four Nations (4 Nações), entre as Home Nations (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda). Foi somente em 1910 que o torneio se tornou Five Nations (5 Nações), com a inclusão da França, e Six Nations (6 Nações), apenas em 2000, com a entrada da Itália.

Rugby Football League

Em 1895, o rugby chegou a um momento crucial para seu próximo século de existência. O crescimento do esporte levou à discussão sobre a liberalização ou não do profissionalismo, isto é, do ato de se remunerar um atleta. De acordo com a ideologia da época, a remuneração desvirtuaria os ideais do esporte e, por isso, era ilegal. Collins aponta que o rugby football recebia muita atenção do público – seja da mídia ou mesmo do afluxo de pessoas aos campos – por volta dos anos 1870 e 1880. Mas, a adoção do profissionalismo fez crescer o Football Association (futebol) e colocou a discussão para o rugby football. A recusa da RFU de liberar as remunerações, e as seguidas sanções impostas pela entidade aos clubes que as praticavam, levaram um grupo de 22 clubes se desligarem oficialmente da RFU. A reunião no Hotel George, em Huddersfield, levou a 20 dos 21 clubes (todos do norte da Inglaterra) a assinarem a fundação da Northern Rugby Union (NRU), endossada por outros 2 clubes nos dias seguintes, totalizando 22 clubes fundadores.A partir desse momento, o Rugby Football se dividiria em Rugby Union (amador) e Rugby League (profissional).

Em 1922, a NRU virou a RFL, Rugby Football League. As seguidas modificações nas regras promovidas pela entidade transformaram o rugby praticado por seus clubes em um outro esporte, o Rugby League, com regras muito distintas. Contudo, apesar da adoção do profissionalismo, o rugby league não conseguiu se difundir pelo mundo, ganhando forte adesão somente na Austrália, além do Norte da Inglaterra. Na Nova Zelândia e na França, o Rugby League conquistou seu espaço, mas jamais superou em popularidade o Rugby Union.

Com o Cisma de 1895, a RFU manteve como ilegal o profissionalismo até o ano de 1995, quando, em 25 de agosto, 2 meses após a Copa do Mundo de 1995, a entidade declarou o Rugby Union um esporte livre, isto é, com a permissão para a profissionalização dos atletas.

O nascimento do Sevens

Em 1883, na pequena cidade escocesa de Melrose, nasceu a modalidade reduzida do rugby, o seven-a-side. Melrose se localiza no coração do rugby escocês, a Scottish Border, região de pequenos vilarejos, cujas pequenas populações dificultavam a formação de equipes de 15 jogadores. Com isso, o Melrose RFC inovou ao convidar as equipes dos vilarejos vizinhos para um torneio de dois dias, com jogo com apenas 7 jogadores de cada lado, com tempo reduzido, porém mantendo-se as mesmas regras do jogo tradicional de 15 jogadores. O torneio virou uma tradição e a modalidade ganhou o mundo todo, mas somente a partir dos anos 1990 o sevens passou a ter competições internacionais regulares.

A evolução das regras

As Leis do Rugby variaram muito ao longo do tempo. A própria bola oval fora oficialmente regulada apenas em 1892. Até 1846, por exemplo, um try não valia pontos, sendo que o único modo de se pontuar consistia em chutar a bola entre os postes. O termo try significa justamente isso. Tratava-se de ganhar a tentativa (try, em inglês) de chutar a bola à meta. As formas de se pontuar variaram muito com o tempo. Veja a tabela com o valor da pontuação do Rugby Union:

Período TRY Conversão Penal Drop goal Goal form Mark*
1871-1886 1 1
1886-1888 1 2 3
1888-1891 1 2 2 3
1891-1893 2 3 3 4 4
1893-1905 3 2 3 4 4
1905-1948 3 2 3 4 3
1948-1971 3 2 3 3 3
1971-1977 4 2 3 3 3
1977-1992 4 2 3 3
1992 – hoje 5 2 3 3

(*) Consistia em se chutar a bola ao gol depois de chamada a marca. O atleta não poderia ser tocado até chutar a bola a gol. Foi extinto em 1977.

O Rugby pelo mundo

O rugby não demorou a se disseminar pelo mundo e foi logo abraçado por outras regiões do vasto Império Britânico, ganhando popularidade na Nova Zelândia, na Austrália e na África do Sul, que não tardariam a se tornar grandes forças do esporte. As viagens de equipes desses países à Europa e dos britânicos a suas colônias deram fama aos jogos internacionais, e logo vieram os apelidos, pelos quais australianos, neozelandeses, australianos e sul-africanos ficaram mundialmente conhecidos: a Nova Zelândia são os “All Blacks”, a Austrália os “Wallabies” e a África do Sul os “Springboks”. Foi para desafiar essas três seleções que os britânicos criaram uma seleção especial, formada ocasionalmente por atletas de Inglaterra, Gales, Escócia e Irlanda: os famosos “Lions”.

O rugby também cruzou o Canal da Mancha e foi entusiasticamente abraçado pelos franceses, que deram seu toque especial ao esporte, criando um estilo próprio de se jogar. Em 1909, a França se somou aos britânicos no “Five Nations” e se tornou uma potência da modalidade. Na Argentina, a grande colônia de britânicos (mais de 200.000 deles viviam no país no fim do século XIX) rapidamente desenvolveu o Rugby por lá, tornando-se um dos principais esportes para os argentinos. Enquanto isso, na América do Norte, o rugby foi incorporado cedo por Canadá a Estados Unidos, mas os universitários locais optaram por fazer mudanças nas regras, nascendo um esporte totalmente diferente: o futebol americano, nos anos 1860. O rugby seguiu sua marcha, conquistou adeptos da Itália ao Japão, e chegou inclusive ao Brasil ainda no século XIX, sendo aqui praticado pela primeira vez em 1891, no Rio de Janeiro, e em 1895, em São Paulo.

Brevemente, o Rugby fez parte dos Jogos Olímpicos, com sua modalidade principal de quinze jogadores, estando no programa oficial em quatro edições: 1900 (vencida pela França), 1908 (vencida pela Austrália), 1920 e 1924 (ambas vencidas pelos Estados Unidos). Entretanto, a opção do Rugby por sair dos holofotes foi mais forte e por muitos anos foi a ética amadora que prevaleceu, com prestigiados amistosos internacionais e curtos torneios continentais, como o “Five Nations” europeu e o Campeonato Sul-Americano (criado em 1951) ocupando o calendário das seleções. Entre as grandes tradições do rugby está o Barbarians, equipe formada por atletas de diferentes nacionalidades que até hoje é formada para amistosos. Uma verdadeira seleção do mundo, cujo intuito é promover os valores do esporte.

Por conta do amadorismo, o rugby somente criou sua Copa do Mundo em 1987. E ela se tornou um dos mais aclamados eventos do esporte mundial, reunindo as melhores seleções do mundo a cada quatro anos. Em 1991, foi a vez das mulheres organizarem a Copa do Mundo Feminina, lutando por maior espaço desde os anos 80. Já em 1993 nasceu a Copa do Mundo de Sevens, transformando o sevens de modalidade recreativa a esporte de alto rendimento.

O profissionalismo veio em 1995 e, após a célebre Copa do Mundo realizada na África do Sul, na qual, por meio dos Springboks, Nelson Mandela promoveu a unidade do país, recém saído do regime do apartheid.

Com o profissionalismo, a Copa do Mundo cresceu, assim como novas competições. Em 1996, foi criado o Tri Nations, envolvendo África do Sul, Austrália e Nova Zelândia, transformado em The Rugby Championship em 2012, com a entrada da Argentina no torneio. Em 2000, a Itália foi incorporada pelas potências europeias, nascendo o Six Nations. E campeonatos profissionais de clubes surgiram em todas as partes, como a Copa Europeia (atual Champions Cup), entre os europeus, e o Super Rugby, no hemisfério Sul. Enquanto isso, o sevens ganhou seu circuito mundial anual, a Série Mundial de Sevens, com suas versões masculina e feminina, e em 2016 a modalidade fez sua estreia nos Jogos Olímpicos, marcando o retorno do rugby ao evento depois de 92 anos de ausência e tendo Fiji, no masculino, e Austrália, no feminino, como seus medalhistas de ouro.

 

Fonte: portaldorugby.com.br